Entrevista: Pe. David Romero fala sobre as ações na Amazônia e os Exercícios Espirituais Ecológicos
Delegado para a Preferência Apostólica Amazônia, o padre jesuíta David Romero conversou sobre as inspirações para a criação e realização dos Exercícios Espirituais Ecológicos. Na entrevista, o sacerdote falou sobre as dinâmicas e metodologias aplicadas durante o retiro, do cuidado com a casa comum, além do trabalho que os jesuítas vêm desenvolvendo há 25 anos no território amazônico.
– De onde surgiu a inspiração para idealizar os Exercícios Espirituais Ecológicos, que acontecem de 17 a 25 de fevereiro no CECREI?
Em 2018, meu primeiro ano como Delegado para a Preferência Apostólica Amazônia, o então sócio da Província dos Jesuítas do Brasil, Ir. Eudson Ramos, me convidou para participar de um retiro no CECREI, dizendo que seria interessante que eu levasse a Amazônia para o encontro. Pedi para refletir sobre o convite e rezei por uns três ou quatro dias. Então, a ideia brotou em mim. Oferecer os Exercícios Espirituais de Santo Inácio sob uma ótica ecológica. Isso me trouxe uma paz. Acompanhei o retiro realizado em janeiro de 2018 no CECREI, mas sob uma ótica da ecologia. Retomei várias leituras: a Laudato Si’, livros de escritores como Leonardo Boff e do jesuíta Lúcio Flávio Cirne, que trabalharam nessa área. Lendo esses livros, fiquei empolgado e, aos poucos, fui montando o roteiro dos Exercícios Espirituais Ecológicos. Em 2019, ano do Sínodo da Amazônia, falávamos muito sobre a ecologia integral, facilitando minha inspiração. Eu achava que, para abraçar a questão da ecologia, deveríamos unir a oração, para provocar uma conversão. O retiro foi posto em prática e, inclusive, já conta com tradução para o inglês, tendo sido realizado virtualmente em 2020. Cabe dizer que somos quatro jesuítas trabalhando com a temática da ecologia atualmente, abordando, de diferentes maneiras, as Preferências Apostólicas Universais da Companhia de Jesus.
– Quais são as metodologias, as dinâmicas e os demais conteúdos tratados no retiro?
Usaremos os Exercícios Espirituais tradicionais, tratando de temas como Princípio e Fundamento, da 1ª a 4ª semanas dos EE, da contemplação para alcançar o amor… tudo está sendo utilizado. Mas, com toques da Laudato Si’, chamando para uma sensibilidade, não somente para as pessoas, mas para a criação, pois tudo está interligado. Esse é o caminho da conversão e essa será a experiência. Traremos textos bíblicos ecológicos, pois a Bíblia está repleta de textos ligados à natureza, falando da água, da terra, da semente, da colheita… Olhando a Bíblia, vemos a Palavra de Deus muito marcada pela ecologia. Quanto à dinâmica, aproveitaremos a liturgia para trazer para o dia a dia elementos da natureza, destacarmos a água, a terra, o fogo, entre outros elementos. A arte também será utilizada para ilustrar a experiência de contato com a ecologia. Ao final do encontro, vamos propor aos retirantes que participem do plantio de uma árvore, para simbolizar o final do retiro.
– Na descrição do curso o senhor cita a imersão dos candidatos nos Exercícios Espirituais sob a ótica ecológica, trazendo a Laudato Si’ e o sínodo da Amazônia para o conteúdo, por exemplo. Na sua opinião, de que maneira nossa relação com o ambiente que nos cerca colabora para o nosso desenvolvimento espiritual?
O grande lema da encíclica Laudato Si’ é o cuidado da casa comum, a consciência de que tudo está interligado. Somos apenas uma parte da criação, Deus conta conosco para cuidarmos da criação. Nós, com o dom da inteligência, somos livres, acima de tudo, mas também para cuidar. Na Laudato Si’, a Igreja nos chama para nossa corresponsabilidade de cuidar da casa comum, pensando nas próximas gerações, olhando não só para o presente, mas para o futuro também. O planeta está morrendo, por isso é tão importante fazermos crescer essa sensibilidade da ligação para com o restante da criação.
– A Encíclica Laudato Si’ critica o consumismo e o desenvolvimento irresponsável, fazendo um apelo para que possamos combater a degradação ambiental e as alterações climáticas. Qual nosso papel, enquanto cristãos, em relação ao consumo consciente e à sustentabilidade?
Segundo a Laudato Si’, cada pessoa pode fazer pequenos gestos de solidariedade, passando para a família, amigos e comunidade em geral, percorrendo vários níveis da sociedade. Quando pedimos a graça dessa conversão, é interessante vermos as diversas iniciativas. A casa comum é o planeta, e nós, em cada lugar, podemos cuidar do planeta da nossa maneira. Iniciativas dos colégios jesuítas, por exemplo, ilustram bem o que alunos e colaboradores podem socializar em termos de experiências com os respectivos colégios e comunidades. No Colégio Catarinense, por exemplo, temos o tratamento de todo o lixo que é gerado. Essa prática passa do colégio para as casas, atingindo os pais e a família. As pessoas abraçaram uma forma de cuidar da casa comum, reciclando o lixo. No Loyola, os alunos vão para a cidade de Belém, no Pará, num programa de inserção junto às comunidades ribeirinhas da Ilha de Marajó, na periferia da capital e nos quilombos. Experiências que marcaram profundamente os alunos e também os colaboradores. É uma questão que depende da realidade. Como lutar contra o desmatamento em Florianópolis? Não precisa morar na Amazônia. A quarta Preferência Apostólica Universal da Companhia de Jesus é ‘Cuidar da Casa Comum’ e estamos em sintonia com a Companhia, com a Laudato Si’ e com o Sínodo do Amazônia. Tudo reforçando essa ideia de que, além da Amazônia, cada cidadão, em qualquer país ou cidade, pode colaborar com a casa comum, só cabe criatividade e boa vontade. A Rede Jesuíta de Educação está levando isso muito a sério: a importância da ecologia integral. As paróquias, as obras sociais, nossas várias frentes apostólicas estão fazendo parte desse desafio transversal para trabalhar com o cuidado da casa comum.
– Em 2020, a Companhia celebrou 25 anos de presença em território amazônico. Quais as colaborações podemos destacar que os jesuítas trouxeram aos povos amazônicos durante essa caminhada e quais são os próximos passos a serem dados uma vez que os olhos do mundo estão voltados à Amazônia?
Em 1995, foi criado o Distrito dos Jesuítas da Amazônia. Há 25 anos, a Amazônia já estava sendo cada vez mais ameaçada, havendo desmatamento, poluição, frutos de grandes projetos de exploração. Cresceu a importância de um trabalho na região. Cientes disso, os jesuítas criaram esse distrito, tendo um superior local, morando em Manaus, que era mais presente e acessível aos demais religiosos que aqui residiam. Com essa presença institucional, começou a crescer a família inaciana no território amazônico. A partir da criação do Distrito, aparecerem projetos de educação popular e nasceram instituições como o Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES), assim como o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR). Uma parceria de jesuítas com leigos e leigas, que ajudou a família inaciana a se desenvolver e ser o que é hoje. Crescemos muito em 25 anos, sabendo que todos somos colaboradores na missão de Cristo